MEMÓRIAS DE UM VAQUEIRO
Evaí
Oliveira
Em uma sociedade moderna e tecnológica como a nossa, em que
não se vive mais sem um celular, quando falta energia, a nossa vida vira um
caos: sem acesso à internet e com as baterias que não duram muito tempo
carregadas, muita gente se sente sem rumo. Mas eu consigo viver muito bem com
ou sem celular e internet, pois não tenho tempo para ficar o dia inteiro
visualizando as inúmeras besteiras depositadas nas redes sociais, nem para
fazer parte do grupo dos zumbis do fone de ouvido.
E foi isto o que aconteceu numa tarde de sábado: houve um
pequeno apagão de algumas horas e meu telefone descarregou. Mas o que eu
poderia fazer para passar a tarde? Fui até a minha estante de livros, mas já
tinha lido todos os que nela se encontravam. Um chamou a minha atenção. Era de
um grande escritor da nossa Literatura Infantil Brasileira: Memórias da Emília,
de Monteiro Lobato.
Daí pensei que se uma boneca de pano pôde escrever memórias
sobre as suas aventuras, eu também podia. E foi isso que eu fiz. Peguei um
caderno, uma caneta, pensei um pouco e então comecei.
Pensei por alguns instantes sobre qual momento da minha eu
passaria para o papel. Já sei! Vou falar sobre a coisa mais interessante que
aconteceu em minha vida. Peguei a minha rede, armei-a entre duas árvores no
quintal, sentei-me e, então, comecei a eescrever.
MEMÓRIAS DE UM VAQUEIRO
“Vou contar para vocês um breve relato sobre um fato que
aconteceu em minha vida nos tempos que eu não perdia as vaquejadas da região. Desde
menino, eu sempre gostei de montar nos cavalos mais rebeldes, correr, derrubar
o boi na faixa e levar o prêmio e por isso sempre fui muito respeitado por
derrubar o boi na faixa.
Mas um dia em uma dessas vaquejadas eu percebi que uma
mulher não parava de me olhar. Ela tinha longos cabelos negros, uma linda
morena, que não parava de me aplaudir por cada boi que eu derrubava, vendo-a
tão eufórica, retribuí com um sorriso, acabei me desconcentrando e pela
primeira vez perdi um boi, mas percebi que sentia algo diferente por ela.
Saí da pista, após perder aquele boi, e ela veio falar
comigo. Então, começamos a namorar e ela adorava andar a cavalo comigo, sempre
na garupa.
Depois de alguns meses, decidi pedir sua mão em casamento,
mas, para minha tristeza, seu pai me negou sua mão. Um simples vaqueiro como eu
não era o tipo de marido que um rico fazendeiro queria para a sua filha.
Ele me expulsou de sua casa, mas eu e sua filha continuamos
a nos encontrar escondidos, sempre atentos pois ela poderia estar sendo seguida
por algum empregado do pai.
Então decidimos fugir para longe daquele e refazer a nossa
vida juntos. Marcamos um lugar de encontro para a partida, mas ela não chegou
na hora marcada, nem de forma nehuma. Voltei desesperado, mas uma amiga dela me
encontro e me disse que seu pai descobriu que ela ia fugir e a mandou para um
lugar onde nem ela mesma sabia.
Quando ela me disse que o grande amor da minha vida está
esperando um filho meu, fiquei tão desesperado que pensei em fazer uma miséria,
mas me controlei. Revoltado com tal maldade, decidi ir embora daquele lugar em
busca de outras vaquejadas, mas sempre pensando naquela mulher e em meu filho
que ela estava gerando.
Segui o meu caminho guiado pelas vaquejadas, mas nunca me
esqueci dela. Um dia, um amigo me convidou para uma vaquejada naquela região em
que eu tive tantas decepções e evitei retornar por tantos anos. Pensei não
voltar, mas um vaqueiro que se preze não recusa vaquejadas.
Pelo longo tempo que passei longe de lá, fiquei sem saber
de nada do que acontecia, principalmente pelos fatos tristes ocorridos em minha
vida. A única coisa que me alegrava era ser sempre campeão.
Dezessete anos depois, decidi voltar para ganhar o prêmio e
ser mais uma vez campeão, mesmo assim acreditava que poderia existir um grande
vaqueiro por lá.
A vaquejada começou com uma disputa com troca de
provocações entre mim e um vaqueiro que já estava lá quando eu cheguei. Eu
fiquei impressionado com tamanha valentia e força para uma pessoa tão jovem,
pois eu derrubava um boi e ele também derrubava.
Antes da disputa para o primeiro lugar, eu vi que os bois
eram mais fortes e deduzi que aquele rapaz não conseguiria derrubá-los, então
sorri e pensei que eu levaria a melhor, dessa vez, ganhando o prêmio.
Estava me preparando para entrar na pista, mas quase caí do
cavalo quando olhei para o lado e vi uma mulher, aquela que foi tirada de mim,
abraçando o jovem vaqueiro. Tal cena me deixou tão nervoso que eu entrei na
pista adoidado, sem saber onde estava e o que deveria fazer e o resultado foi
óbvio: passei longe do boi, uma coisa que nunca aconteceu e todos os meus anos
de vaquejada.
Quando o vaqueiro entrou na pista, ela pulava, gritava e sua
agitação foi mais quando ele ganhou o primeiro derrubando o boi na faixa. Eu
fiquei revoltado por ter perdido o prêmio e inconformado por ter perdido a
mulher que foi o amor no passado.
De repente, ela veio em minha direção de mãos pegadas com o
vaqueiro e, antes que eu dissesse qualquer coisa, ela falou que aquele rapaz
era o nosso filho que eu não tinha conhecido. Não pude me conter de tanta
felicidade, pois eu não tinha notícias dela e de nosso filho desde aquele dia
trágico em que seu a tinha tirado de mim.
Depois daquele nosso reencontro, conversamos e decidimos
retomar nossa vida juntos, continuando de onde paramos naquele dia planejando
para a nossa fuga.
E hoje meu filho está com 25 anos e eu estou vivendo muito
bem com aquele amor de anos atrás em nossa fazenda herdada do meu sogro, por
ironia do destino.
Como não tenho mais o que escrever, despeço-me rapidamente
pois ouvi falar que haverá uma vaquejada aqui na região e eu tenho que preparar
meu cavalo para tentar ganhar daquele vaqueiro que num passado recente tirou o
prêmio de mim, prêmio esse que quero de volta.
Prefiro
não me identificar
Fazenda
Santo Antônio, junho de 2018.