segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Histórias de Mocambo - A MULA SEM CABEÇA (Evaí Oliveira)


A MULA SEM CABEÇA (Evaí Oliveira)

Nas noites de lua cheia, muitas coisas acontecem na pequena cidade de Mocambo, e algumas parecem inacreditáveis. Há alguns meses, os moradores ouvem relinchos pelas ruas da cidade no meio da noite, mas só em noites de lua cheia.
Suzana, uma mulher que aparentava ter uns 30 anos, dona da Pousada de Mocambo, veio de Missão da Saúde, uma cidade vizinha, tentar um novo negócio e inaugurou essa pousada, que foi a primeira da cidade.
Certa noite de lua cheia, ela deixou a pousada no meio da noite e seguiu para os lados da mata nas proximidades da cidade. Dona Tânia, como o de costume, vinha da casa de sua amiga, como estava colocando a fofoca em dia, perdeu a hora. Ao passar pela praça, viu de longe quando Suzana saiu da cidade rumo à floresta. Ela achou estranho aquela mulher andando sozinha tarde da noite, mas depois percebeu que ela mesma estava fazendo a mesma coisa.
No outro dia, o destaque da padaria era o aparecimento de mais uma assombração, história espalhada pela mexeriqueira assistente, que jurava que tinha visto a mula sem cabeça.
Dessa vez, Júlio e Juliana, filhos de Tânia, Marcinha, filha do prefeito, decidiram sondar a história da tal mula sem cabeça e foram falar seus pais sobre essa assombração e se reuniram para criar um plano de caça à mula.
− Meu pai me contou que uma mulher se apaixonou pelo padre e como castigo se transforma na mula sem cabeça toda noite de lua cheia.
− E para quebrar o encantamento é só tirar sangue ou tirar o freio do bicho.
− Pois vamos pensar em uma forma de sair de nossas casas sem que nossos pais percebam para pegarmos essa mula.
− Já temos uma suspeita. Suzana chegou aqui do nada dizendo que veio da Missão e ninguém sabe mais nada dela.
− E a amiga da minha já desconfia dela. Não se fala em outra coisa aqui.
− Vamos esperar a próxima noite de lua cheia, para seguirmos a dita cuja, assim tiramos a prova se ela é ou não é a mula sem cabeça.
Alguns dias se passaram e veio a noite de lua cheia.
Suzana estava arrumando umas fichas na recepção da pousada. De repente sentiu uns arrepios, correu para a janela e viu a lua cheia, seus olhos ficaram como fogo.
− Ai, meu Deus! Vai começar tudo de novo – e saiu da pousada olhando para os lados para ver se não havia mais ninguém na rua.
Como não viu ninguém, adiantou o passo em direção da saída da cidade. Mas os espiões estavam dentro do coreto na praça de olho para a porta da pousada e puderam ver com clareza quando Suzana ganhou a mata. Os pestinhas esperaram os pais dormirem e saíram pelas janelas dos quartos.
− Olha lá! Vamos atrás dela.
Como o de costume ela foi para determinada parte da floresta perto do rio, começou a se contorcer, os olhos pareciam que iam lançar fogo, ajoelhou-se e colocou as mãos no chão, o corpo começou a se encher de pelos, em questão de segundos seus braços e pés viraram patas, uma cauda surgiu e a cabeça estava em chamas.
Os meninos observavam de longe, ficaram aterrorizados com a cena, mas rapidamente voltaram a si e ficaram eufóricos com a descoberta.
− Ela é a mula sem cabeça mesmo!
− Fale baixo! Se esse monstro nos ouvir aqui, estamos perdidos. Temos que arranjar um jeito de quebrar o feitiço.
Sem querer, Júlio tropeçou em uma raiz e caiu, atraindo a atenção da mula, que avançou contra eles. Antes disso, o trio correu de volta para a cidade perseguidos pela assombração, mas conseguiram despistá-la e retornaram em segurança para as suas casas.
No dia seguinte, as crianças agiram como se nada tivesse acontecido. O mesmo fez Suzana, em sua pousada, sem saber que a turminha estava tramando uma nova caça à mula sem cabeça na próxima lua cheia, eles tinham que pensar em uma forma de quebrar o feitiço tirando sangue do animal ou retirando o seu freio.
Pensaram, pensaram, e Júlio teve uma ideia:
− Já sei! Nós vamos seguindo a dita cuja e, quando ela se mulificar, eu subo em uma árvore...
− E nós atrairemos a fera para debaixo da árvore...
− Eu você pula em cima dela e lhe tira o freio.
− Isso. E o feitiço será quebrado.
Enfim a noite de lua cheia chegou e os meninos mais uma vez retornaram a espionar Suzana, que saiu correndo em direção à mata. Eles foram logo atrás da mulher. No meio do mato, às margens do rio enquanto ela se transformava na mula sem cabeça novamente, os meninos colocaram em prática o plano.
Júlio subiu em uma árvore e se sentou em um galho. Para chamar a atenção da mula, uma das meninas atirou um galhinho seco na direção do animal, e a outra começou a pisar nas folhas secas para fazer ruídos.
A mula sem cabeça se virou na direção delas e avançou com seus relinchos assustadores. As meninas correram para a árvore onde Júlio estava e, quando o animal passou, ele pulou em cima do lombo da besta.
− É isso aí, vaqueiro! – gritou Marcinha.
− Tira o freio, Júlio! – falou Juliana.
A mula relinchou e deu alguns pulos. Antes de cair, Júlio puxou o freio, quebrando a maldição que condenava Suzana a virar aquele monstro em todas as noites de lua cheia.
− Você está bem, Júlio?
− Estou sim, essas folhas amaciaram a minha queda. Por pouco, não me queimei.
− Eu não acredito que estou livre da maldição – falou Suzana, ajoelhando-se e erguendo as mãos para o céu.
− Agora você está livre de virar a mula sem cabeça.
− Vocês foram muito corajosos em me seguir até aqui. Muito obrigado, eu não aguentava mais essa sina. E ainda tinha que guardar segredo.
− Mas diga como você começou a virar essa assombração!
Suzana contou toda a história de como foi amaldiçoada a virar a mula sem cabeça enquanto andando pela mata retornando à cidade.
− Pois bem... Quando eu tinha uns dezoito anos, namorei um padre recém-formado. Como castigo pelo pecado, eu sofri a maldição de virar a mula sem cabeça. Depois disso, eu tive que viver vagante de lugar em lugar, para que ninguém descobrisse o meu segredo. Quando cheguei a Missão, as pessoas logo desconfiaram de mim. Daí eu ouvi falar que acontecem várias coisas estranhas em Mocambo, por isso vim para cá para me camuflar.
− Mas nós descobrimos e te livramos do encantamento.
− É, agora você pode viver sossegada aqui.
− E é isso mesmo que eu vou fazer, não saio mais de Mocambo. Apesar das coisas que acontecem por aqui, é uma cidadezinha mais ou menos tranquila.
No dia seguinte, Suzana acordou sem o peso da maldição, sentia que estava livre. E as crianças, cada vez mais queriam se envolver nos mistérios que habitavam e rodavam Mocambo.

domingo, 29 de setembro de 2019

Histórias de Mocambo - O LOBISOMEM (Evaí Oliveira)



O LOBISOMEM (Evaí Oliveira)

Em uma noite de sexta-feira, a fofoqueira-mor da cidade, dona Tânia, estava com sua amiga e mexeriqueira assistente na casa de outra amiga. Elas já estavam até ficando conhecidas como a Trinca da Fofoca de Mocambo. A vítima do mexerico do momento era um homem que morava em uma casinha na saída da cidade, pois elas descobriram, a partir de fontes duvidosas, que ele era o sétimo filho depois de seis meninas, pois isso é quesito para que o rapaz se transforme em lobisomem.
− Meninas, ele é muito pálido, magro...
− E aquelas orelhas enormes, parece até o lobo da Chapeuzinho.
− Eu acho que ele vira lobisomem. Vamos segui-lo hoje? É noite de lua cheia e é sexta-feira − disse a fofoqueira-mor.
− Eu também acho. Vocês se lembram daquela vez que dona Juju estava com seu bebê e foi atacada na rua? Dizem que lobisomem adora bebês que não são batizados. Depois disso, ela batizou o filhinho e nunca mais sentiu nem o cheiro da fera.
Elas estavam tão eufóricas com o fato de terem mais uma fofoca para espalhar pela cidade que nem deram atenção aos possíveis perigos. Organizaram um plano: ir para os lados da casa do homem e espioná-lo. E lá se foi a trinca de mexeriqueiras em direção à saída da cidade.
Ao chegarem perto de casa, ouviram o barulho de coisas caindo no chão, elas pararam atrás de uma caçamba de lixo. Logo ele saiu tremendo e se esbarrando em tudo, indo em direção a uma mata ao lado da saída da cidade. Elas não o perderam de vista até certo ponto. A lua estava enorme no céu, mas as copas das árvores impediam a passagem da claridade em algumas áreas.
− Gente, perdemos o lobisomem de vista. Acho melhor voltarmos.
− Voltar nada. Vamos, ele foi por ali.
Enquanto cochichavam, um uivo ecoou bem perto delas seguido de uma sombra passando pela luz da lua. Elas entraram e pânico e começaram a gritar e a correr de volta para a cidade.
Na correria, a que ia na frente tropeçou, caiu e derrubou as outras. Levantaram-se e continuaram a correr. Ao longe, se ouvia um uivo aterrorizante e a sombra do lobisomem no alto de um morrinho, com a lua cheia ao fundo.
As três mulheres chegaram de volta à cidade cobertas de lama, areia e folhas, arranhadas pelos galhos das árvores, pareciam umas porcas. Mas se engana quem pensa que elas aprenderam a lição, pois no outro dia, logo cedo, elas já estavam contando o acontecido no meio da rua. Muitas pessoas não deram crédito, visto que elas sempre têm algo a falar sobre alguém, outros pensaram que estariam loucas.
O homem, ao ver o povo achando absurda e mentirosa a história das fofoqueiras, ficou mais sossegado, pois não seria alvo de perseguição de outras pessoas a fim de comprovar se ele era realmente um lobisomem.