A MULA
SEM CABEÇA (Evaí Oliveira)
Nas noites de lua cheia, muitas coisas acontecem na pequena
cidade de Mocambo, e algumas parecem inacreditáveis. Há alguns meses, os
moradores ouvem relinchos pelas ruas da cidade no meio da noite, mas só em
noites de lua cheia.
Suzana, uma mulher que aparentava ter uns
30 anos, dona da Pousada de Mocambo, veio de Missão da Saúde, uma cidade
vizinha, tentar um novo negócio e inaugurou essa pousada, que foi a primeira da
cidade.
Certa noite de lua cheia, ela deixou a
pousada no meio da noite e seguiu para os lados da mata nas proximidades da
cidade. Dona Tânia, como o de costume, vinha da casa de sua amiga, como estava
colocando a fofoca em dia, perdeu a hora. Ao passar pela praça, viu de longe
quando Suzana saiu da cidade rumo à floresta. Ela achou estranho aquela mulher
andando sozinha tarde da noite, mas depois percebeu que ela mesma estava
fazendo a mesma coisa.
No outro dia, o destaque da padaria era o
aparecimento de mais uma assombração, história espalhada pela mexeriqueira
assistente, que jurava que tinha visto a mula sem cabeça.
Dessa vez, Júlio e Juliana, filhos de
Tânia, Marcinha, filha do prefeito, decidiram sondar a história da tal mula sem
cabeça e foram falar seus pais sobre essa assombração e se reuniram para criar
um plano de caça à mula.
− Meu pai me contou que uma mulher se
apaixonou pelo padre e como castigo se transforma na mula sem cabeça toda noite
de lua cheia.
− E para quebrar o encantamento é só tirar
sangue ou tirar o freio do bicho.
− Pois vamos pensar em uma forma de sair
de nossas casas sem que nossos pais percebam para pegarmos essa mula.
− Já temos uma suspeita. Suzana chegou
aqui do nada dizendo que veio da Missão e ninguém sabe mais nada dela.
− E a amiga da minha já desconfia dela.
Não se fala em outra coisa aqui.
− Vamos esperar a próxima noite de lua
cheia, para seguirmos a dita cuja, assim tiramos a prova se ela é ou não é a
mula sem cabeça.
Alguns dias se passaram e veio a noite de
lua cheia.
Suzana estava arrumando umas fichas na
recepção da pousada. De repente sentiu uns arrepios, correu para a janela e viu
a lua cheia, seus olhos ficaram como fogo.
− Ai, meu Deus! Vai começar tudo de novo –
e saiu da pousada olhando para os lados para ver se não havia mais ninguém na
rua.
Como não viu ninguém, adiantou o passo em
direção da saída da cidade. Mas os espiões estavam dentro do coreto na praça de
olho para a porta da pousada e puderam ver com clareza quando Suzana ganhou a
mata. Os pestinhas esperaram os pais dormirem e saíram pelas janelas dos
quartos.
− Olha lá! Vamos atrás dela.
Como o de costume ela foi para determinada
parte da floresta perto do rio, começou a se contorcer, os olhos pareciam que
iam lançar fogo, ajoelhou-se e colocou as mãos no chão, o corpo começou a se
encher de pelos, em questão de segundos seus braços e pés viraram patas, uma
cauda surgiu e a cabeça estava em chamas.
Os meninos observavam de longe, ficaram
aterrorizados com a cena, mas rapidamente voltaram a si e ficaram eufóricos com
a descoberta.
− Ela é a mula sem cabeça mesmo!
− Fale baixo! Se esse monstro nos ouvir
aqui, estamos perdidos. Temos que arranjar um jeito de quebrar o feitiço.
Sem querer, Júlio tropeçou em uma raiz e
caiu, atraindo a atenção da mula, que avançou contra eles. Antes disso, o trio
correu de volta para a cidade perseguidos pela assombração, mas conseguiram
despistá-la e retornaram em segurança para as suas casas.
No dia seguinte, as crianças agiram como
se nada tivesse acontecido. O mesmo fez Suzana, em sua pousada, sem saber que a
turminha estava tramando uma nova caça à mula sem cabeça na próxima lua cheia,
eles tinham que pensar em uma forma de quebrar o feitiço tirando sangue do
animal ou retirando o seu freio.
Pensaram, pensaram, e Júlio teve uma
ideia:
− Já sei! Nós vamos seguindo a dita cuja
e, quando ela se mulificar, eu subo em uma árvore...
− E nós atrairemos a fera para debaixo da
árvore...
− Eu você pula em cima dela e lhe tira o
freio.
− Isso. E o feitiço será quebrado.
Enfim a noite de lua cheia chegou e os
meninos mais uma vez retornaram a espionar Suzana, que saiu correndo em direção
à mata. Eles foram logo atrás da mulher. No meio do mato, às margens do rio
enquanto ela se transformava na mula sem cabeça novamente, os meninos colocaram
em prática o plano.
Júlio subiu em uma árvore e se sentou em
um galho. Para chamar a atenção da mula, uma das meninas atirou um galhinho
seco na direção do animal, e a outra começou a pisar nas folhas secas para
fazer ruídos.
A mula sem cabeça se virou na direção
delas e avançou com seus relinchos assustadores. As meninas correram para a
árvore onde Júlio estava e, quando o animal passou, ele pulou em cima do lombo
da besta.
− É isso aí, vaqueiro! – gritou Marcinha.
− Tira o freio, Júlio! – falou Juliana.
A mula relinchou e deu alguns pulos. Antes
de cair, Júlio puxou o freio, quebrando a maldição que condenava Suzana a virar
aquele monstro em todas as noites de lua cheia.
− Você está bem, Júlio?
− Estou sim, essas folhas amaciaram a
minha queda. Por pouco, não me queimei.
− Eu não acredito que estou livre da
maldição – falou Suzana, ajoelhando-se e erguendo as mãos para o céu.
− Agora você está livre de virar a mula
sem cabeça.
− Vocês foram muito corajosos em me seguir
até aqui. Muito obrigado, eu não aguentava mais essa sina. E ainda tinha que
guardar segredo.
− Mas diga como você começou a virar essa
assombração!
Suzana contou toda a história de como foi
amaldiçoada a virar a mula sem cabeça enquanto andando pela mata retornando à
cidade.
− Pois bem... Quando eu tinha uns dezoito
anos, namorei um padre recém-formado. Como castigo pelo pecado, eu sofri a
maldição de virar a mula sem cabeça. Depois disso, eu tive que viver vagante de
lugar em lugar, para que ninguém descobrisse o meu segredo. Quando cheguei a
Missão, as pessoas logo desconfiaram de mim. Daí eu ouvi falar que acontecem
várias coisas estranhas em Mocambo, por isso vim para cá para me camuflar.
− Mas nós descobrimos e te livramos do
encantamento.
− É, agora você pode viver sossegada aqui.
− E é isso mesmo que eu vou fazer, não
saio mais de Mocambo. Apesar das coisas que acontecem por aqui, é uma
cidadezinha mais ou menos tranquila.
No dia seguinte, Suzana acordou sem o peso
da maldição, sentia que estava livre. E as crianças, cada vez mais queriam se
envolver nos mistérios que habitavam e rodavam Mocambo.
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