quinta-feira, 11 de junho de 2020

Conto: A Vez da Senzala (Evaí Oliveira)

A VEZ DA SENZALA

Por Evaí Oliveira

IMPÉRIO DO BRASIL – 1860

A fazenda Albuquerque tinha o maior engenho de açúcar da região e contava com dezenas de negros vivendo nas piores condições possíveis e sendo castigados a torto e a direito para servir de exemplo para os outros desencaminhados.

Sinhá Domitila, a baronesa de Albuquerque, tentava defender os escravos quando o barão de Albuquerque impunha seus castigos severos, implorando ao marido piedade, o que nem sempre obtinha, mas conseguia abrandar as punições e assim passava uma imagem de compadecida, quando na verdade a baronesa só estava garantindo que os negros não se revoltassem contra seus senhores.

Uma das maldades do barão inclui o açoitamento da escrava Joaquina, posta no tronco depois de um dia e uma noite sem água e comida, e olhem que a negra custou caro, pois uma escrava como ela, de boa saúde, estava ficando difícil de encontrar, principalmente depois da lei que proibiu o tráfico de negros da África, deixando os senhores preocupados.

O motivo do castigo? O barão ordenou ao feitor que mandasse a negra ir sozinha lavar as roupas no riacho, depois saiu da casa grande dizendo à baronesa que iria ao canavial. Mas ele foi a outro canavial.  Lá no riacho, atacou a escrava querendo possuí-la. Não obteve sucesso na empreitava, levou um chute e enquanto se recuperava, a negra correu para a senzala para tentar se proteger.

Transtornado, o barão mandou seu feitor trancá-la na prisão da senzala sem água e sem comida e no dia seguinte logo cedo a queria ver no tronco. Esse ficava na frente da casa grande, de modo que quando um escravo era castigado, os senhores podiam contemplar das janelas, como fez o sinhozinho antes de seguir para a Capital no dia seguinte.

Fraca pela fome e pela sede, a pobre escrava não resistiu aos açoites e faleceu. Sinhá Domitila dessa vez não moveu uma palha para defender a negra, no fundo estava gostando do castigo, pois Joaquina tinha despertado desejo em seu marido e foi morta antes mesmo que a baronesa mandasse quebrar os dentes dela como tinha em pensamento.

Esses castigos horríveis despertavam revolta nos escravos, que cada vez mais tentavam fugir, alguns com sucesso. Mesmo havendo mistura de negros de diferentes áreas da África, eles se organizaram na calada da noite e fizeram uma coisa inédita.

Uma negra velha fez uma mistura com ervas e mandou uma das escravas da cozinha colocar na comida sem que ninguém da casa grande percebesse. O jantar foi servido e um tempo depois o barão e a baronesa, que estavam sozinhos em casa, começaram a passar mal. A mesma mistura foi colocada na comida do feitor e dos capatazes, que também sofreram do mesmo mal.

Foi dado o sinal de fraqueza da casa grande, era hora da senzala dar o troco. Enquanto as chamas consumiam o canavial, as palhas secas na senzala e na moenda facilitaram o alastramento do fogo. Debilitados, os capatazes puderam fazer pouca coisa, os que foram trancados na senzala morreram queimados, outros fugiram para mato, não tinham a quem pedir ajuda.

O barão foi açoitado na sala com o próprio chicote por um dos escravos mais surrados da fazenda. A baronesa foi empurrada da escada por uma negra que passou anos com uma mordaça na boca, a manda dela por conta de sua beleza. A negra retirou a mordaça e jogou em cima da sinhá estirada no chão.

Outros negros entraram pela porta da frente da casa com tochas nas mãos, atearam fogo nas cortinas, nos móveis, arrastaram o senhor para fora de casa e o amarraram no tronco, junto com o feitor. Depois de muitos açoites dados pelos revoltosos, suas vidas se foram. À frente deles, a casa grande ardia em chamas refletindo nos olhos dos escravos.

Todos fugiram para um quilombo na serra, de modo que quando os capatazes sobreviventes retornaram à fazenda com reforços, encontraram a senzala e a moenda no chão e a casa grande prestes a desmoronar. Agora era avisar ao senhorzinho e acionar os capitães do mato para caçar os fugitivos.



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